sábado, 22 de março de 2008

O Bezerro de Ouro...

Aqui está o texto que eu tinha falado. Acho muito interessante, pois mostra outra forma de arte, envolvendo tecnologia, religião e atividade mental e sensório-motora da pessoa. E até onde a tecnologia vai nos levar? Será que ela vai nos possibilitar um ensino de artes à distância? Mas se isso for possível quais pessoas terão acesso à essa tecnologia? Como disse a colega Vick, devemos tornar a arte mais presente, mas de que forma? Será que novas formas de arte já não estão sendo criadas? Tendo a arte como forma de expressão, eu acredito que novas linhas estão surgindo, mas se pensarmos em arte como algo para mudar o mundo, mudar o ensino... enfim, acho que temos que lutar por mais espaço, mais contatos com as pessoas. O mundo infelizmente está caminhando para o individualismo, cada vez menos as pessoas se encontram para conversar, ir no parque... essas coisas todas se tornam virtuais, de forma a se perder intimidade ou nem tê-la. Acho que a arte deveria sim tomar uma parte do tempo de cada um, seja para produzir ou apreciar. Ela permite novas descobertas, novas sensações, coisas que virtualmente é um pouco difícil de compreender. Mas a partir do texto abaixo, será que é possível se aproveitar das tecnologias para poder criar novas formas de descobertas e sensações?

O Bezerro de Ouro
Não muito longe da basílica onde se encontram os monumentos funerários dos antigos reis da França, em Saint-Denis, ocorre a cada dois anos uma manifestação consagrada às artes digitais: Artífices.
Em novembro de 1996, o principal artista convidado era Jeffrey Shaw, pioneiro das artes do virtual e diretor, na Alemanha, de um importante instituto destinado à criação nas “novas mídias”.
Ao entrar na exposição, a primeira coisa que você veria seria a instalação “Bezerro de Ouro”. No meio da primeira sala, um pedestal claramente feito para receber uma estátua não sustenta nada além do vazio. A estátua está ausente. Um tela plana se encontra sobre uma mesa ao lado do pedestal. Ao pegá-la, você descobre que esta tela de cristal líquido comporta-se como uma “janela” para a sala: ao direcioná-la para as paredes ou teto, você vê uma imagem digital das paredes ou do teto. Ao apontá-la para a porta de entrada, aparece um modelo digital na porta. E quando a tela é virada na direção do pedestal, você é surpreendido por uma maravilhosa estátua, brilhante, magnificamente esculpida, do bezerro de ouro, o qual só “existe” virtualmente. Ao andar em volta do pedestal, mantendo a tela direcionada para o vazio acima dele, é possível admirar todos os ângulos do bezerro de ouro. Aproximando-se, ele aumenta; afastando-se, diminui. Se você levar a tela bem para cima do pedestal, entrará dentro do bezerro de ouro e descobrirá seu segredo: o interior é vazio. Só existe enquanto aparência, sobre a face externa, sem reverso, sem interioridade.
Qual o propósito desta instalação? Em primeiro lugar, é crítica: o virtual é o novo bezerro de ouro, o novo ídolo de nossos tempos. Mas também é clássica, pois a obra nos traz a percepção concreta da natureza de todos os ídolos: uma entidade que não está realmente presente, uma aparência sem consistência, sem interioridade. Aqui, o que se busca não é tanto a ausência de plenitude material, e sim o vazio de presença e de interioridade viva, subjetiva. O ídolo não tem existência por si mesmo, somente a que lhe é atribuída por seus adoradores. A relação, uma vez que o bezerro de ouro só aparece graças à atividade do visitante.
Em um plano no qual os problemas estéticos juntam-se às interrogações espirituais, a instalação de Jeffrey Shaw questiona a noção de representação. Na verdade, o bezerro de ouro obviamente remete ao Segundo Mandamento, que proíbe não só a idolatria, mas também a fabricação de imagens e estátuas “que tenham a forma daquilo que se encontra no céu, na terra ou nas águas”. Podemos dizer que Jeffrey Shaw esculpiu uma imagem? Seu bezerro de ouro é uma representação? Mas não há nada sobre o pedestal! A vida e a interioridade sensível daquilo que voa nos ares ou corre pelo solo não foram captadas por uma forma morta. Não é um bezerro, exaltado por uma matéria tida como preciosa, que a instalação coloca em cena, mas sim o próprio processo da representação. No lugar onde, em sentido estrito, há apenas o nada, a atividade mental e sensório-motora do visitante faz surgir uma imagem que, quando suficientemente explorada, acaba por revelar sua nulidade.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo. Editora 34, 1999

O texto pode ser encontrado na página 45.

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