sexta-feira, 1 de maio de 2009

Sobre identidade e mudança

Apenas esclarecendo o que foi dito, de minha parte, na última aula:

O problema da mudança na filosofia é um dos mais estudados e está presente desde os primórdios da história do intelecto. Na história deste problema, encontramos afirmações em favor da mais plena estabilidade (inexistência da mudança), como em Parmênides, até uma contínua transformação (inexistência do repouso), como em Heráclito.
Entretanto, o que esteve em jogo em minha aula não foi a discussão a respeito de qual tese, ou variante, estaria de acordo com a realidade, mas sim uma mera explanação dos conceitos de mudança e identidade, bem como de suas consequências.
Quando mudamos, passamos a ser algo que não éramos. Isto quer dizer que recebemos ou perdemos predicados. O exemplo que usei foi o do homem pobre que ganha na loteria: ele passa a ser algo que não era, a saber, rico. Vejamos:

Em t1: Pedro é pobre.
Em t2: Pedro é rico.

Pedro perdeu uma propriedade: ser pobre; ganhou outra: ser rico. Houve uma mudança em Pedro.

Agora:

Quem é o sujeito em t1? Resposta: Pedro.
Quem é o sujeito em t2? Resposta: Pedro.

Pedro continuou sendo Pedro, não é? Ninguém, ao saber do ganho de Pedro, diria: "foi bom te conhecer, Pedro. Adeus!"

Temos, então, um problema:

Aceitamos, de acordo com a razão, que, quando alguém passa a ser algo que não era, esse alguém muda; Pedro era pobre e passou a ser rico; logo, passou a ser algo que não era. Portanto, mudou.
Aceitamos também, porém, que Pedro não deixou de ser Pedro; mas então ele continuou sendo o que era; se continuou sendo o que era, não mudou. Conclusão absurda: Pedro mudou e não mudou!

Aceitamos que Pedro mudou, mas não aceitamos que ele deixou de ser Pedro. Como isso é possível? Como é possível que algo mude, mas sem deixar de ser o que é? Ora, isso é possível se a mudança for sob um aspecto, e a identidade sob outro. Explico:

1) Pedro é rico.
2) Pedro é Pedro.

Em ambos os casos, temos uma construção de sujeito e predicado. No primeiro caso, uma mudança. No segundo, uma identidade. Agora, não é verdade que o segundo caso apresenta um predicado mais importante que o primeiro? Eis aqui uma distinção: propriedades acidentais e propriedade essenciais. As propiedades acidentais são aquelas que, quer adquiramos, quer perdamos, continuamos sendo o que somos; propriedades essenciais são aquelas que não podemos perder sem deixar de ser o que somos. Entende-se, assim, como Pedro pode enriquecer e continuar sendo Pedro: ser rico é um predicado acidental; mas ninguém aceitaria que 'ser Pedro', é uma propriedade acidental de Pedro. Se ele perder esta propriedade, por exemplo, morrendo, ele deixa de ser o que é. Assim, o caso é que, no exemplo acima, Pedro mudou, SOB O ASPECTO ACIDENTAL e permaneceu o mesmo, SOB O ASPECTO ESSESNCIAL.

É isso, qualquer dúvida que tenha surgido na aula, ou com a leitura recém feita, por favor, não exitem em fazer.

2 comentários:

Karolina disse...

Ui, acho que, de todas as oficinas, essa foi a mais "difícil". A que mais me fez pensar e também debater sobre o assunto com os colagas. Nunca tinha pensado nessas mudanças dessa forma, como contradição sobre o que eu "era" ou eu "sou". O tipo de mudança ocorrido foi algo que me deixou bastante pensativa também. O exemplo dado foi algo que modificou um aspecto externo de "Pedro". As mudanças internas não foram observadas. Esse foi o aspecto que mais me chamou a atenção, apesar de não ser o mais importante para a atividade.

Carlos disse...

Valeu pelo comentário, Karolina.
Você tem razão em apontar para o fato de que o exemplo que eu dei é restrito a um "aspecto externo", se entendi corretamente o que você quis dizer com isso, ou seja,uma propriedade que não esteja exatamente "em Pedro", como seria o caso, por exemplo, de "ter duas mãos". Todavia, conforme você mesma disse no final do comentário, esta não é uma questão imediata ao assunto (embora muito importante e relacionável). O caso é que uma coisa é dividir propriedades entre intrínsecas e extrínsecas, outra é dividir entre acidentais e essenciais. O que me parece é que o que te chamou atenção é que o exemplo que eu dei na aula ("ser pobre", "ser rico")são propriedades extrínsecas. Foi uma boa observação, até porque isso nos leva a perguntar sobre a relação entre predicados intrínsecos e extrínsecos e predicados acidentais e essenciais, e isso é uma questão, como disse acima, muito importante.