segunda-feira, 20 de abril de 2009

Literatura, Filosofia e a noção de ação voluntária

Repetir aqui o roteiro da oficina que realizamos semana passada seria por certo desnecessário; complementá-lo, porém, parece oportuno. Assim, usarei este espaço para, entre outras coisas, oferecer informações de caráter bibliográfico para aqueles que se interessarem pelo tema teoria da responsabilidade moral, entendendo-se por isso não um conjunto de regras que prescrevem a conduta humana, mas uma tese acerca das condições sob as quais é legítimo considerar um agente responsável, como sujeito a elogios e censuras; enfim, como merecedor de recompensas ou punições. Antes disso, gostaria de situar essa discussão.
Admite-se geralmente que um indivíduo é reponsável por suas ações se, e somente se, ele agiu livremente. Já nos textos clássicos esse é um conceito bastante presente quando se trata de filosofia prática. Liberdade, portanto, é algo requerido pela moralidade. Na modernidade, houve uma importante discussão a respeito do que queremos dizer quando dizemos que o indivíduo goza de liberdade, debate que esteve diretamente associado ao processo de secularização da moral. Alguns filósofos - na maioria religiosos - defendiam que o agente ser livre significa que não há qualquer determinação de sua ação ou vontade, ou seja, que suas ações não são causadas por nada. Filósofos como Hobbes, Collins, e Hume, por sua vez, exigiam menos que isso: não é preciso uma indeterminação total da ação do indivíduo para que ele possa ser legitimamente responsabilizado; o importante é que essa ação seja determinada ou causada a partir da vontade do agente, a partir de seus desejos. Agir desse modo é agir espontaneamente. A ausência dessa liberdade significa que o agente foi coagido, que ele não desejava fazer o que fez. Quando esse é o caso, diz Hobbes, não podemos responsabilizá-lo.
Em filosofia, mais importante do que saber o que cada autor pensa a respeito de um tema é investigar que razões são por ele oferecidas para sustentar sua posição. Assim, quando indagados sobre a necessidade de o agente ser absolutamente livre, os filósofos do primeiro grupo respondiam, o mais das vezes, que sem esse tipo de liberdade a religião e a moral estariam ameaçadas, i.e., elas seriam suprimidas. A bem da verdade, para eles a moral estaria ameaçada na medida em que a religião também estaria (tais filósofos acreditavam que a moral dependia de coisas como a existência de Deus, a imortalidade da alma, bem como a existência de um estado futuro de punições e recompensas, as quais seriam impostas por aquele Magistrado superior). O outro grupo de pensadores, os compatibilistas, porque não tinha interesse em apresentar teses consistentes com as religiões cristãs, exigiam, como se o disse, algo menos: para que o agente seja devidamente responsabilizado, basta que ele tenha agido de acordo com sua vontade. O que não será explicado aqui é por que que a ausência de uma liberdade absoluta (tecnicamente, liberdade de indiferença) implicaria a supressão da moralidade e da religião; basta dizer apenas que isso tem a ver com o chamado problema do mal, um dilema que deve ser superado pelas religiões sob pena de elas não serem consistentes em suas teorias a respeito da moral e da bondade de Deus. A essa altura talvez seja oportuno perguntar: o que a noção de ação voluntária, objeto da atividade proposta na oficina, tem a ver com essa discussão toda? Respondendo brevemente: que a ação passível de responsabilização moral seja voluntária (i.e., tenha sido fruto de um desejo ou vontade do agente) é algo que tanto libertarianos (os do primeiro grupo) quanto compatibilistas (os do segundo grupo) reconhecem como condição da moralidade. Obviamente, as coisas não param por aí; uns exigem algo mais, outros não. O fato é que existem muitas outras coisas a serem ditas sobre esse tema. Espero, contudo, que esse pequeno esboço tenha contribuído para situar minimamente a questão objeto de nossa oficina.
Mudando de assunto
Não sei o que vocês, caros colegas, acharam da oficina. Em geral, pareceu-me que gostaram. É provável que a atividade tenha parecido muito distante do objetivo teórico planejado (a noção de ação voluntária). Eis uma consequência do pouco tempo que temos para nossas apresentações, o que decorre do fato de termos apenas um encontro (com apenas dois períodos) por semana nesta disciplina. De qualquer modo, se aquela foi uma atividade ao menos agradável, se os fez refletir sobre coisas importantes (como pensar sobre a própria vida), se promoveu aproximações na turma, então não há mais o que desejar; se, porém, os juízos forem contrários, isso servirá como experiência e motivação para uma próxima ocasião.
Mudando de assunto novamente
Eis a bibliografia recomendada:
NAGEL, Thomas. Uma breve Introdução à Filosofia (São Paulo: Martins Fontes, 2007). Capítulo 6: "Livre-arbítrio".
STRAWSON, P. F. Análise e Metafísica: uma Introdução à Filosofia (São Paulo: Discurso Editorial, 2002). Capítulo 10: "Liberdade e Necessidade".
HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral (São Paulo: Editora UNESP, 2004). Seção 8: "Da Liberdade e Necessidade".
STRAWSON, P. F. "Freedom and Resentment", in G. Watson, Ed. Free Will (Oxford: Oxford University Press, 1982), 59-80.
Obrigado pela paciência!

Um comentário:

Luciana disse...

Thiago, o tema é bastante complexo, mas trazes elementos e referências importantes para, além da teoria, pensarmos na própria vida.